domingo, 11 de novembro de 2012

País poderia aumentar em 40% a participação de fontes alternativas


A informação de que seria possível aumentar em pelo menos 40% a participação de três fontes renováveis alternativas — eólica, biomassa e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) — nos leilões de energia nova vem em bom timing. As grandes hidrelétricas têm sido alvo de mais uma rodada de questionamentos: o Tribunal Regional Federal chegou a determinar a suspensão das obras de Belo Monte, para que os índios afetados sejam consultados pelo Congresso Nacional sobre os impactos da usina, e há poucas semanas o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), alertou que as hidrelétricas na Amazônia vão alterar para sempre a configuração ambiental, social, e territorial da região, enquanto o governo dá mostras de sua dificuldade em avaliar, evitar e mitigar os impactos gerados pelas obras.
Não que energia renovável alternativa seja sinônimo de sustentabilidade. Se feitas de qualquer maneira, suas aplicações também vão gerar impactos, diz Carlos Rittl, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil. “Não basta ser renovável. Esse é o discurso do governo para defender as grandes hidrelétricas. É fundamental definir a melhor forma como essas alternativas devem ser implantadas.”
Feitas essas ponderações, Rittl afirma que, com alguns incentivos, é totalmente possível fazermos uma revolução na matriz energética brasileira nas próximas décadas. Ele se refere à pesquisa lançada ontem, 15 de agosto,  intitulada Além de grandes hidrelétricas: políticas para fontes renováveis de energia elétrica no Brasil.
O estudo,  apresentado durante o VIII Congresso Brasileiro de Planejamento Energético, em Curitiba , mostra que a participação de cada uma dessas fontes alternativas poderia crescer no mínimo 10% nas avaliações mais pessimistas, sem significar aumento de custos, desde que recebam os incentivos corretos – o que faz todo o sentido quando o Brasil anuncia compromissos de redução de emissões. 
O trabalho foi encomendado pelo WWF, supervisionado por Gilberto de Martino Jannuzzi, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do International Energy Initiative para a América Latina (IEI–LA), e coordenado pelo Paulo Henrique de Mello Sant’Ana, da Universidade Federal do ABC e do IEI-LA.
Segundo Januzzi, em comunicado à imprensa,  “o futuro não está mais em grandes projetos hidrelétricos e muito menos no uso continuado de fontes fósseis. “Há formas de tornar as fontes alternativas ainda mais competitivas, por meio da criação de novos subsídios ou do redirecionamento dos já existentes, mas que estão atualmente voltados a viabilizar as fontes fósseis.”
Rittl conta o objetivo do estudo é fomentar o debate, mostrando que há alternativas ao alcance do governo – basta ter vontade política e saber usar.  Mas, questionado sobre o grau de permeabilidade do poder público ao diálogo, respondeu com uma informação: por lei, é definida a participação de um representante da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética, mas isso nunca foi cumprido.
Enquanto isso, o estudo revela o gap entre o potencial brasileiro de geração de eletricidade das fontes alternativas e a capacidade instalada e outorgada no País. Dos 2.400 empreendimentos de geração de energia elétrica em operação em 2011, apenas 777 usavam fontes renováveis que, juntas, podiam produzir 12,3 milhões de kW.
A seguir, alguns dados do estudo:
  • ·         Em termos comparativos, somente a energia eólica já apresentava, em 2001, um potencial de geração de energia elétrica de 143 milhões de kW. Passados 11 anos, estima-se, em 2012, um potencial de 300 milhões de kW de energia gerada pelo vento. Esse total é superior ao dobro da capacidade total instalada no Brasil, que é de mais de 114 milhões de kW, considerando-se todas as fontes geradoras.
  • ·         Se o lago de Itaipu fosse coberto hoje com painéis fotovoltaicos, a geração de energia solar ao ano seria de 183 TWh, o equivale ao o dobro de toda a energia que aquela usina produziu em 2011 (92,24 TWh).
  • ·         Outra fonte com potencial subaproveitado é a biomassa com uso de cana-de- açúcar. De 440 usinas desse tipo em atividade no Brasil, só 100 delas produzem eletricidade. O potencial de geração de eletricidade estimado só para esta fonte era de 14 milhões de kW em 2009.
  • ·          Com relação aos custos de produção, existe no Brasil uma tendência de queda nos próximos 10 a 15 anos das fontes eólica, biomassa (cana-de-açúcar), enquanto, no mesmo período, há tendência de elevação dos custos das usinas hidrelétricas. 

Amália Safatle

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Mais de um terço da população mundial tem conexão com a internet


 Mais de um terço da população mundial está conectada à internet, indicou um relatório publicado nesta quinta-feira pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), uma agência das Nações Unidas. “O desenvolvimento dos serviços de banda larga produziu um aumento de 11% do número de internautas no mundo no ano passado”, disse a UIT.
No início de 2012, havia 2,3 bilhões de internautas no mundo, o que representa mais de um terço da população mundial.
A UIT explicou que o número de pessoas com acesso à internet de alta velocidade com dispositivos móveis é o dobro do que os que navegam com uma conexão de alta velocidade com fio.
O relatório revela também que cada vez mais pessoas em todo o mundo têm acesso à internet a partir de casa. Entre 2010 e 2011, a percentagem de famílias com acesso à internet aumentou 14%. No final de 2011, um terço (600 milhões) dos 1,8 bilhão de domicílios do planeta tinham acesso ao mundo da internet.
A China responde por 23% de todos os internautas do mundo, enquanto a participação dos países em desenvolvimento no total de usuários subiu de 44% em 2006 para 62% em 2011.
A ITU prevê que até 2015 cerca de 40% dos lares nos países em desenvolvimento vão ter acesso à internet e explica que o surgimento dos smartphones e tablets será fundamental para que o número de usuários aumente significativamente.
Fonte: www.cartacapital.com.br

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Um Brasil industrial ou exportador de grãos?

Que Brasil desejamos legar às  próximas gerações? A pergunta é pertinente porque o futuro está sendo construído hoje e, na sociedade capitalista globalizada e em crise, não há mais espaço seja para o improviso, seja para o voluntarismo, e muito menos para a incompetência. Nunca foi tão necessário o planejamento, estratégico e de longo prazo. Mas dele nos estamos afastando,  cingidos pela necessidade de dar respostas imediatas, e por isso pontuais, ao dia-a-dia da crise.
Há ingênuos e gente sabida para todos os gostos e preferências e interesses, nacionais ou não. Para os muito ingênuos, nosso destino está resolvido como futuros exportadores de óleo cru, como a Venezuela (que fornece aos desenvolvidos, EUA à frente, quantidades fabulosas de petróleo, para tudo importar, inclusive legumes; país riquíssimo afundado na mais primitiva estrutura econômica), como o Iraque, como o Irã, ou a Arábia Saudita, ou os Emirados Árabes e outros. Agora, pergunto ao leitor: Você conhece algum grande exportador de petróleo que se tenha transformado em uma grande nação?
A muitos ingênuos (ou sabidos demais)  também parece irrelevante que nossas empresas de apoio à produção do pré-sal estejam sendo vendidas, como estão,  uma a uma a grupos multinacionais.  Parece-lhes a coisa mais natural do mundo nosso destino imediato como principal fornecedor de óleo para os EUA, substituindo a ‘inconfiável’ Venezuela de hoje e o turbulento e caro mercado árabe, que tantas guerras e intervenções caríssimas exige do maior exército do mundo.
Para esses ingênuos, não é espantador nosso futuro de reféns dos interesses estratégicos dos EUA.
Por outro lado, os “muito sabidos” desdenham da industrialização, de seu papel não só econômico-social, como estratégico. Peço ao leitor a indicação de  algum grande país, alguma nação rica e desenvolvida cuja economia dependa, tão-só,  da roça ou do agronegócio. Dito de outra forma: qual o país moderno que se desenvolveu sem que se tenha industrializado?
Se o nosso país, de 2003 para cá,  redescobriu que o binômio ciência e tecnologia é a chave do desenvolvimento, descobriu igualmente que  a industrialização é  que capilariza a inovação e o progresso técnico, levando o desenvolvimento para a população como um todo. No entanto, há os que, em pleno século XXI, redescobrem a “vocação agrícola” do Brasil como o antígeno da industrialização. Esses desdenham dos que falam em “desindustrialização”, quando o fato objetivo é que a participação da indústria de transformação no PIB nacional, que no início dos anos 80 era de 33%, caiu, em 2010, para 15,7%.
Há os que desdenham da desnacionalização da indústria sobrevivente, mas o fato objetivo é que, só no primeiro semestre deste ano, 167 empresas privadas brasileiras foram compradas por multinacionais, em sua maioria com sede nos EUA (são dados da Pesquisa de Fusões e Aquisições,  da consultora KPMG). As empresas brasileiras desnacionalizadas estavam preponderantemente nas áreas de serviços para empresas, tecnologia da informação e produtos químicos e farmacêuticos, mas a desnacionalização ocupa espaços crescentes também na agroindústria do etanol e na química baseada na energia vegetal, áreas que identifico como estratégicas.
A taxa de juros caiu (na verdade, desde agosto do ano passado até aqui caiu nove vezes, chegando ao patamar de 7,5% ao ano); a valorização cambial estancou, e o governo persegue, embora limitado a fatias setoriais, a redução da carga tributária e acena para breve com a queda do preço da energia elétrica e investimentos na logística de transportes. Se os ambientalistas religiosos permitirem.
Mas, apesar dos esfprços governamentais,  o crescimento industrial não foi retomado e o PIB continua sofrendo de raquitismo (a previsão para 2012 caiu, segundo o ‘mercado’ para 1,64%). E sem crescimento econômico – a fonte do desenvolvimento— todas as demais metas, da eliminação da pobreza à autonomia em ciência e tecnologia, passando por educação, segurança e defesa nacional, estarão descartadas. Uma explicação é a baixa capacidade de inovação da indústria nacional lato sensu, derivada precisamente do fato de a produção brasileira estar subordinada às matrizes das multinacionais, herança do modelo neoliberal: elas produzem tecnologia em suas sedes, enquanto as empresas privadas nacionais preferem pagar royalties a investir em pesquisa. As empresas estatais, as únicas que investiam em ciência e tecnologia, foram desbaratadas pelos governos dos dois Fernandos.
Enquanto isso, os gastos da China (já a segunda economia do mundo) com PID, vale dizer ciência, tecnologia e inovação, são três vezes superiores aos do Brasil (em termos proporcionais ao PIB de cada um) e deverá (lembremos: a China adota o planejamento) dobrar esse valor até 2030.
Não há alternativa fora do aumento dos investimentos públicos e privados.
Acresce  levar em conta a recessão das economias européias, japonesa e estadunidense, e a desaceleração da China, com seus reflexos no Brasil: menos compras e esforço de todos para vender mais, ao que se soma a cautela do capital internacional não especulativo.
No Brasil, por exemplo, onde encontrariam, em tese, terreno fértil para semear seus lucros, preferem os capitalistas estrangeiros comprar nossas empresas ao invés de assumirem, com novos investimentos, de que carecemos,  novas iniciativas. Ou seja, na crise deles, procuram explorar a nossa, através da aquisição de patrimônio nacional já constituído, possibilitando mais remessas de lucros para o exterior,  sem nenhuma contribuição adicional para o nosso desenvolvimento, nem mesmo geração de novos empregos.
Seja por força da abertura comercial, seja por isso ou  por aquilo, o peso das manufaturas na pauta das exportações foi, em 2011, de apenas 36%, quando em 1980 havia atingido nada menos  que 59%. Vivemos assim um processo de contínua deterioração nos termos de troca de produtos industriais, nos quais prepondera nossa dependência de produtos de alta tecnologia.  Seria este o momento de nossa indústria valer-se das políticas governamentais que visam ao aumento da renda nacional, e, por conseqüência óbvia, o crescimento do mercado interno.
Mas a indústria nacional não está, sequer, atendendo às novas demandas do mercado interno, que assim se abre para aumentar as importações vistas pelo governo como instrumento para evitar desabastecimento e pressão inflacionária, e, ainda como estabilizador de preços. Somos, hoje, exportadores de alimentos, carne, grãos e minérios (cujos valores, aliás, estão em queda) por sinal, quase sempre sem nenhum valor agregado e à mercê de progressivas políticas protecionistas dos importadores, variantes desde taxas abusivas a restrições sanitárias. Em 1980, o setor de bens de capital (termômetro do crescimento econômico) representou algo como 20% da produção da indústria de transformação, mas em 2009 essa cifra já havia caído para 10%. O que nos salva são as exportações para o Mercosul, notadamente Argentina (o comércio bilateral alcançou 40 bilhões de dólares com  crescimento de 35% das exportações brasileiras) e Venezuela, para quem exportamos predominantemente manufaturados (65% do total).
Crise à parte, o Brasil precisa decidir qual é seu modelo de crescimento, como crescer, para onde crescer e para quem crescer, enfrentando a disjuntiva Brasil dos primários ou do valor agregado. O Brasil gerou 20 milhões de postos de trabalho nos últimos nove anos: trabalho nas cidades, nos serviços, aumento, portanto que passou ao largo do agronegócio. Os serviços representam 70% dos empregos abertos. Mas 95% das ocupações geradas foram de até um salário-mínimo e meio (segundo o Ipea). Em 2002, mais de dois terços de nossas exportações eram destinados aos países ricos, cifra hoje reduzida a 40%, com nossa oportuna opção pela América do Sul, pela África  e pela China, o que minimizou os efeitos da crise do chamado “primeiro mundo”.  E nada menos de 80% de nossas exportações para a China são de produtos primários. Em 1980, a produção industrial brasileira (Gabriel Palma, BBC, 13.07.2012) superava a do conjunto formado por China, Índia, Coréia do Sul, Malásia e Tailândia; em 2010 representava tão somente 10% do total da produção desses países.
Há, porém, aqueles que, por força do pensamento mecanicista, afirmam que não há “desindustrialização” porque o modelo do Brasil é o mesmo  dos países ricos em crise, a saber, tornar-se uma economia de serviços e produção de bens não materiais. Ora, nos ditos países ricos esse movimento derivou da pós-industrialização, óbvia conseqüência do alto desenvolvimento industrial,  do intenso e permanente desenvolvimento científico e tecnológico e da modernização dos serviços, e, finalmente, como somatório de tudo isso (cujo pano de fundo é a imperialista divisão internacional do trabalho), resultou da necessidade de transferir parte da fabricação para outros países (como os asiáticos mais atrasados, em busca de salários mais baixos e baixos índices de democracia), como instrumento de redução de custos, conservado nas matrizes o desenvolvimento do know-how.
Ora, o caso brasileiro nada tem em comum com este cenário, pois nosso parque industrial ainda está em desenvolvimento e em busca de consolidação, podendo e devendo desempenhar papel insubstituível como agente modernizador da economia e da sociedade brasileiras.
Fonte: www.cartacapital.com.br

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Economia verde e mercantilização do Meio Ambiente


A História da humanidade está marcada por um processo contínuo e crescente de desenvolvimento das forças produtivas e de avanço do ser humano sobre o espaço natural. E isso se deu desde os primeiros registros de organização social, ainda sob a forma de coletores ou caçadores até o quadro atual de atividades que colocam em risco a sobrevivência do planeta e da própria espécie.

Dessa foram se sucedendo os saltos propiciados pela evolução das sucessivas formações sociais e pelo desenvolvimento técnico-científico. Fixação territorial das comunidades e início das atividades de agricultura e pastoreio, marcando o início dessa exploração e conquista do homem sobre a natureza. Domínio de técnicas para geração de energia a partir de recursos naturais (fogo). Consolidação de grupos sociais vivendo em espaços urbanos, afastados dos processos associados à produção de alimentos. Descobertas de novas formas de geração de energia (hidráulica), inovações para aumento da produtividade agrícola e início do processo de transformação produtiva sob a forma artesanal. Utilização em escala crescente dos bens da natureza para consolidar as bases estruturais da sociedade, como os minerais e a madeira para construir ferramentas, bens de uso, meios de transporte, residências, palácios, monumentos, estradas e outros.

O salto industrial e o aprofundamento da degradação
Uma mudança de qualidade nesse processo foi a inovação tecnológica que veio a propiciar a evolução da manufatura e o advento da produção em escala industrial. O desenvolvimento científico revolucionou setores fundamentais como saúde e transportes, possibilitando a redução da mortalidade, o aumento populacional e o deslocamento de bens e pessoas nas regiões e entre continentes. As descobertas relativas às fontes de energia de combustível fóssil (carvão e petróleo) impulsionaram a conquista do homem sobre a natureza, exatamente no momento em que o modo capitalista de produção se afirmava como hegemônico em escala internacional. Produção e consumo em massa se assentavam sobre o modelo colonialista em expansão, onde os países europeus imprimiam a marca da super exploração dos recursos humanos e naturais dos demais continentes.

Com exceção das populações tradicionais que conviviam em harmonia com a natureza e isoladas do ímpeto do chamado “progresso”, o avanço do modelo capitalista de espoliação do espaço natural não encontrava barreiras. Por outro lado, as próprias experiências socialistas do século XX não buscaram alternativas que não estivessem baseadas no extrativismo e no produtivismo exacerbados. Tudo se passava como se o processo civilizatório fosse sinônimo de avanço irracional da sociedade humana sobre o espaço natural.

Os resultados mais recentes desse processo milenar estão mais do que conhecidos. O fato, porém, é que apenas ao longo das últimas décadas os riscos de sobrevivência do planeta começaram a se tornar mais evidentes e aceitos. Poluição generalizada e devastadora, aquecimento global, elevação do nível dos oceanos, desastres nucleares, efeitos perversos do uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes, incapacidade de dar conta de resíduos e lixo, conseqüências negativas e desconhecidas a respeito do uso de transgênicos, aprofundamento da falta de água: eis apenas alguns dos dramas que a sociedade deveria enfrentar seriamente nos tempos atuais. Esses fenômenos causados pela ação direta do homem aliam-se à dinâmica própria de alteração dos ecossistemas e as conseqüências tornam-se ainda mais imprevisíveis.

Desenvolvimento sustentável “versus” economia verde
Porém, parece claro que a questão ambiental não é uma questão isolada. Ela não pode estar dissociada da questão econômica e da questão social. A degradação da Terra ocorre justamente pelos interesses envolvidos no atual modelo de exploração econômica, onde a busca do lucro a curto prazo e a exploração da força de trabalho são partes integrantes do mesmo processo. As características da desigualdade e da concentração, tão típicas do capitalismo, se fazem presentes no que se refere à distribuição dos recursos naturais. A Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente de 1992 consagrou o conceito de “modelo sustentável”. E essa idéia força vinha sempre associada com a necessidade de enfocar o tema da sustentabilidade em seus 3 eixos interdependentes: a) ambiental; b) econômico; c) social.

Não é intenção deste artigo sugerir um balanço dos resultados obtidos com a Rio + 20. Mas, de toda forma, parece consensual a avaliação de que muito pouco foi realizado pelos governos, pelos organismos multilaterais e pelas grandes corporações multinacionais a respeito do tema ao longo dessas duas décadas. Como foram vinte anos dominados pelo discurso neoliberal e pela crença na supremacia absoluta nas forças do mercado para buscar as soluções ditas “mais eficientes”, muito pouco foi efetivado em termos de regulação, fiscalização e controle das atividades comprometedoras do equilíbrio do planeta – seja em escala global, nacional ou local.

Como a Conferência oficial deste ano ainda se pautou pela inércia da influência política e ideológica dos anos de chumbo do liberalismo irracional, as questões do mercado e da iniciativa privada terminaram por ganhar mais espaço nos debates e na até mesmo na Declaração Final. Aliás, essa foi uma das reclamações apresentadas pelas organizações envolvidas com a realização da Cúpula dos Povos, evento paralelo ao oficial da diplomacia e dos governos, organizado por um sem número de entidades envolvidas com o tema pelo mundo afora.

Uma das novidades do documento final da Rio + 20, “O futuro que queremos”, é a presença do conceito de “economia verde”. Apesar de pouco esclarecedor e merecedor de uma multiplicidade de definições, o fato é que ele abre espaço para as tentativas de consolidar a mercantilização do meio ambiente – fenômeno já em marcha há décadas. No entanto, antes de avançar por aqui, é importante deixar registrado que, ao longo das 59 páginas do texto da ONU, a expressão “economia verde” sempre aparece acompanhada da expressão “no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza”. Ou seja, há quem avalie que o termo ainda não se expressaria como um caminho exclusivamente de mercado para a crise ambiental.

Os instrumentos da mercantilização

Porém, a Declaração Final não é muito mais do que isso: apenas uma declaração de intenções. A realidade das dinâmicas econômica, política e social operam em uma velocidade bem superior à das negociações diplomáticas. E, aliás, isso é até natural e compreensível. Portanto, aproveitando-se dessa distância, o conceito de “economia verde” já está há um bom tempo sendo utilizado pelos governos, implementado pelas grandes empresas e divulgado pelos meios de comunicação como a grande panacéia para todos os males que o capitalismo tem provocado sobre o ecossistema. Só que a problemática é bem mais complicada do que aparenta.

Assim, em sua tendência a universalizar as relações mercantis, o atual sistema econômico passou a incorporar a dimensão do “meio-ambiente” também como instrumento de acumulação e dinamização do mercado. Os primeiros esboços concentraram-se na área de emissão de gases do efeito estufa (GEE). A partir das determinações previstas no Protocolo de Kyoto, lançado em 1997, começaram a surgir os “créditos de carbono”, que vieram a se constituir em instrumentos de negociação no próprio mercado financeiro. Com isso, as empresas que conseguissem reduzir seu volume de emissão de GEE teriam direito a emitir esses títulos de crédito de carbono, que passaram a ser precificados e negociados no mercado. De acordo com os padrões estabelecidos atualmente, um crédito de carbono equivale à redução de 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2).

O objetivo implícito é que ele seria um mecanismo de estimular a substituição de processos produtivos “sujos” por novos processos “limpos”. O termo genérico desse tipo de ação ficou conhecido como “mecanismo de desenvolvimento limpo” (MDL) e contaria com algum tipo de regulação e fiscalização por parte da ONU, de maneira a evitar que os títulos de crédito de carbono pudessem ser objeto de fraude e descontrole. O crescimento do volume de títulos emitidos e a generalização de sua negociação criaram um verdadeiro mercado, com todo tipo de produto financeiro associado. O crédito de carbono tem uma cotação nas Bolsas de Mercadorias, tendências de alta, expectativas de queda, operações de mercado futuro e por aí vai. Como todos os títulos similares, está bastante sujeito a muita especulação.

Mais recentemente, outros instrumentos financeiros passaram a ser incorporados à prática dos grandes grupos multinacionais, mas ainda não são objeto de regulação e controle institucional. Trata-se do procedimento de “redução de emissão por desmatamento e degradação evitados” (REED), por meio do qual as corporações e seus empreendimentos de larga escala buscam obter ganhos econômicos a partir de iniciativas que possam diminuir o ritmo de destruição ambiental, como a redução de áreas de floresta ou comprometimento de áreas envolvidas com extração mineral. E aqui novamente o mercado financeiro pode atuar como facilitador dos negócios e da alavancagem de projetos, pois tudo se consolida em emissões de títulos que passam a ter um valor e são negociados nos mercados mobiliários por todos os cantos do planeta. E como quase tudo no mercado opera com base na especulação, o que dizer de operações sem nenhum lastro no setor real da economia?

Busca de alternativas à solução de mercado

Além disso, vale ressaltar que outros elementos da natureza já estão submetidos ao regime de mercantilização ou correm o risco de virem a passar pelo mesmo processo. É o caso da terra e do solo para atividades agropecuárias, extrativas e as demais no espaço urbano. A água, em sua condição de bem essencial para a vida, começa a dar os sinais de escassez preocupante em escala global e não apenas nas regiões historicamente afetadas pela seca. Os mares e oceanos pelo potencial energético, de alimentação e de pesquisa, além da questão estratégica de ser utilizado como meio de transporte. Os ares e a atmosfera por sua característica fundamental do oxigênio, além de outras como água, ventos e chuvas.

Portanto, a incorporação do conceito de economia verde no documento final da Rio+ 20 reflete o estágio atual da correlação de forças a nível internacional. Há setores fortemente interessados em que a dimensão do meio-ambiente continue nessa trajetória crescente de mercantilização, com abertura de novos espaços de negócios em nome da salvação do planeta. Porém, é preciso que se denuncie a incapacidade das forças de mercado em darem conta dessa árdua tarefa, inclusive porque sua preocupação maior é com o lucro imediato e não com a viabilidade no longo prazo.

A solução passa por buscas de uma abordagem integradora da sustentabilidade, incorporando suas dimensões econômica, social e ambiental. Afinal, não se pode exigir de países do interior do continente africano o mesmo “sacrifício” que se propõem a efetuar as populações dos países escandinavos. Uns ainda sobrevivem em péssimas condições, passam fome, apresentam elevadas taxas de mortalidade, não têm acesso às mínimas facilidades do padrão de vida do mundo dito desenvolvido. Outros se permitem até mesmo falar em estagnação econômica, pois atingiram um padrão social típico do Estado do bem estar.

O nível gritante de desigualdade sócio-econômica exige que os diferentes sejam tratados de forma diferenciada. Assim, a trilha para se alcançar uma humanidade mais justa e homogênea em termos de qualidade de vida não deve repetir a mesma trajetória equivocada, em particular a do padrão dos últimos 50 anos. No entanto, transformar o meio ambiente em mercadoria e operar apenas por meio de referência de preços artificialmente construídos tampouco se apresenta como solução para os graves problemas de nosso tempo.

Paulo Kliass

Fonte: www.cartamaior.com.br

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O trabalho, a atividade mais transversal da humanidade



O homem se distingue dos outros animais por várias coisas, mas a determinante é que o homem tem capacidade de trabalho. O homem transforma o mundo, o meio que o cerca, através do trabalho, para encontrar as formas de sua sobrevivência e para amoldar o mundo conforme os seus projetos. O homem tem o poder de humanizar a natureza, enquanto os outros animais apenas recolhem o que encontram na natureza ou fazem trabalhos puramente mecânicos e repetitivos, sem criatividade – como os casos das formigas e das abelhas.

O progresso humano foi resultado do trabalho humano, embora o trabalho, nas sociedades existentes ate’ aqui, seja, um trabalho alienado, em que os trabalhadores nao possuem os meios de produção para plasmar seu trabalho conforme suas decisões conscientes. Tenham que submeter a ser explorados pelos que nao produzem, mas possuem capital suficiente para ter meios de produção que explorem o trabalho alheio.

A transformação do mundo só pode ser explicada pela evolução do trabalho humano, da capacidade humana de modificar o mundo que o cerca. O homem foi escravo da natureza durante séculos e séculos, acordava quando havia luz e dormia quando ela terminava. Era vítima inerte das catástrofes naturais.

O trabalho humano é a fonte da construção das riquezas, dos bens de que o homem dispõe. Se pudesse decidir livremente, de forma consciente e democrática, o destino do seu trabalho, o mundo seria – será – muito destino, humanizado.

No entanto, a crítica de concepções tradicionais, que buscavam reduzir todas as contradições das nossas sociedades à contradição capital-trabalho, como se as outras – de gênero, de etnias, entre outras – se resolvessem automaticamente quando fosse resolvida aquela contradição, levou à critica da centralidade exclusiva das contradições do mundo do trabalho. Afloraram contradições que sempre existiram, mas que ficaram escondidas pelas lutas dos trabalhadores contra a exploração. Surgiram os novos movimentos sociais – das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos quilombolas, das diversas formas de sexualidade, do meio ambiente, entre outros.

Ao mesmo tempo, as transformações ocorridas no mundo, com o desaparecimento do campo socialista e a expansão sem limites do capitalismo, representaram uma ofensiva brutal contra os trabalhadores e o mundo do trabalho. A simples possibilidade dos capitais de se deslocarem para qualquer lugar do mundo para explorar mão de obra nas condições mais brutais, já representa uma violência brutal contra os direitos dos trabalhadores.

O conjunto desses fatores levou à diminuição de importância do mundo do trabalho – invisibilizado pela mídia -, os próprios estudos sobre o mundo do trabalho perderam muito importância, justamente quando exigem muito mais investigação, porque as formas de exploração do trabalho se tornaram muito mais complexas e diversificadas.

Nunca como na atualidade tanta gente vive do seu trabalho, por mais heterogêneos que eles sejam. Homens e mulheres, negros, brancos, indígenas, idosos e crianças, todos trabalham. A riqueza humana continua a ser produzida pelo trabalho humano.

A maioria esmagadora da humanidade gasta grande parte do seu tempo de vida trabalhando – para enriquecer algumas outras pessoas -, a atividade do trabalho é a que ocupa a esmagadora maioria das pessoas e do seu tempo de vida. O trabalho é a atividade transversal que cruza países, classes etnias, gêneros, idades.

O trabalho precisa voltar a ganhar a centralidade que requer, sem deslocar por isso as outras contradições, mas se articulando com elas. Somente assim a grande luta contra a exploração do trabalho, a alienação do trabalho e da consciência humana, poderá avançar na luta pela emancipação humana.


Fonte: blog do emir

quinta-feira, 22 de março de 2012

Canal da irrigação a céu aberto em Mirorós: perda de água por evaporação

Mirorós secando... No dia mundial da água, temos o que comemorar?

Aula de campo em Mirorós - 21 de março/2012

Barragem de Mirorós - 21/03/2012

Aula de campo em Mirorós

Por iniciativa das ciências humanas (Geografia, História e Sociologia) do Colégio Modelo, foi realizada, no dia 21 de março de 2012 uma aula viva na Barragem Manoel Novais (conhecida como barragem de Mirorós) no município de Ibipeba-Ba. 
O objetivo foi observar de perto a situação e conhecer, com informações obtidas in locu, aspectos relevantes da crise hídrica que afeta o Território de Irecê. De fato, constatamos a gravidade da questão: a barragem conta hoje com apenas 7% de sua capacidade. Na oportunidade, o técnico da CODEVASF explicou questões ténicas referentes a barragem e, chamou a atenção para a importância social e econômica do perímetro irrigado. 
A aula serviu também para tornar claro a negligência e a morosidade dos órgãos governamentais em intervir para resolver o problema.

segunda-feira, 19 de março de 2012

A centralidade da água na disputa global por recursos estratégicos

Duas visões contrapostas estão em choque na disputa global pela água. A primeira, baseada na lógica da mercantilização deste recurso, que pretende convertê-lo em uma commodity, sujeita a uma política de preços cada vez mais dominada pelo processo de financeirização e o chamado “mercado de futuro”. Esta visão encontra no Conselho Mundial da Água, composto por representantes das principais empresas privadas de água que dominam 75% do mercado mundial, seu espaço de articulação mais dinâmico. 

O Segundo Fórum Mundial da Água, realizado em 2000 declarou, no documento final da reunião, que a água não é mais um “direito inalienável”, mas uma “necessidade humana”. Esta declaração pretende justificar, do ponto de vista ético, o processo em curso de desregulamentação e privatização deste recurso natural. A última reunião realizada com o nome de IV Fórum Mundial da Água, em março de 2009, em Istambul, ratifica esta caracterização da água. Um aliado importante do Conselho Mundial da Água foi o Banco Mundial, principal impulsor das empresas mistas, público-privadas, para a gestão local da água.

A outra visão se reafirma na consideração da água como direito humano inalienável. Esta perspectiva é defendida por um amplo conjunto de movimentos sociais, ativistas e intelectuais articulados em um movimento global pela defesa da água, que propõe a criação de espaços democráticos e transparentes para a discussão desta problemática a nível planetário. Este movimento, que não reconhece a legitimidade do Fórum Mundial da Água, elaborou uma declaração alternativa à reunião de Istambul, reivindicando a criação de um espaço de debate global da água nos marcos da ONU, reafirmando a necessidade da gestão pública deste recurso e sua condição de direito humano inalienável [1].

A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em julho de 2010, a proposta apresentada pela Bolívia, e apoiada por outros 33 Estados, de declarar o acesso à água potável como um direito humano. Como previsto, os governos dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e o Reino Unido se opuseram a esta resolução, fazendo que perdesse peso político e viabilidade prática, na opinião de Maude Barlow, ex-assessora sobre água do presidente da Assembleia Geral da ONU [2]. Estes quatro países, e suas forças políticas mais conservadoras, aparecem como o grande obstáculo. O perigo para os operadores da água é grande, certamente, um reconhecimento da água e do saneamento como direito humano limitaria os direitos das grandes corporações sobre os recursos hídricos, direitos consagrados pelos acordos multilaterais de comércio e investimento.

Os governos da América Latina estão avançando no reconhecimento da água como direito inalienável e na afirmação da soberania e gestão pública destes recursos. A Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia reconhece, em seu artigo 371, que o “a água constitui um direito fundamentalíssimo para a vida, no marco da soberania do povo”, estabelece também que “o Estado promoverá o uso e aceso à água sobre a base de princípios de solidariedade, complementaridade, reciprocidade, equidade, diversidade e sustentabilidade”.

Certamente, a disputa pela apropriação e o controle da água no planeta adquire dimensões que extrapolam unicamente os interesses mercantilistas das empresas transnacionais, colocando-se como um elemento fundamental na geopolítica mundial. Está claro que o planeta necessita urgentemente de uma política global para reverter a tendência do complexo processo de desordem ecológico que, ao mesmo tempo em que acelera a dinâmica de desertificação em algumas regiões, incrementa os fenômenos de inundação produto de chuvas torrenciais em outras. As consequências devastadoras que a degradação do meio ambiente está provocando e a gravidade da situação global que tende a se aprofundar colocam em discussão a própria noção de desenvolvimento e de civilização.

(**) Monica Bruckmann é socióloga, doutora em ciência política, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil) e investigadora da Cátedra e Rede UNESCO/Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável - REGGEN.
Fonte: www.cartamaior.com.br

domingo, 18 de março de 2012

A água novamente entre a vida e a morte


Passaram-se já 15 anos da primeira edição do Fórum Mundial da Água e 20 da Declaração do Rio. Durante esses anos, o Conselho Mundial da Água, liderado por empresas como Veoliam, Suez, Coca Cola, Monsanto e outras grandes transnacionais desenvolveram uma visão muito sofisticada da água, uma visão que está fundamentada no conceito de que água é um bem mercantil necessário para a vida e a ecologia, funcionais aos direitos humanos e à sobrevivência e, portanto...um grande negócio.
Em todo esse período, ao invés de melhorar o cuidado com as fontes e aquíferos em todo o mundo a situação piorou substancialmente. Os equilíbrios ecológicos necessários para a sobrevivência e a fluidez do ciclo hidrológico foram rompidos como nunca havia acontecido, devido aos processos de agroindústria em larga escala, contaminação mineradora e projetos de energia baseados na construção de enormes hidroelétricas, entre outras causas. As empresas, por sua vez, estão buscando cada vez ganhar mais terreno da gestão pública e seguem ocorrendo debates entre gestores públicos e empresários diplomáticos corporativistas que tentam nos convencer de que o papel do setor privado é absolutamente necessário para a gestão da água.
Nestes debates e acordos de governança global da água pretende-se deslegitimar a gestão pública e fortalecer o conceito que foi desenvolvido pelo Consenso de Washington: o desenvolvimento e o cumprimento dos objetivos do Milênio só serão possíveis se existir um forte investimento privado; portanto, o desenvolvimento, os direitos humanos e os equilíbrios ecológicos estão ligados à sorte do mercado.
Este princípio permitiu construir um sistema especulativo de alto voo que agora é reforçado com o desenvolvimento da economia verde que é mais do mesmo, mas concebido para criar mercados especulativos coloridos com uma tinta verde acrescentada para dar a sensação de que se está protegendo o planeta e com a intenção de mercantilizá-lo todo; não só a água que tomamos e até o ar que respiramos, mas inclusive o futuro do planeta. Ainda que pareça ficção científica, isso é possível assim como foi possível que desde este Fórum tenham surgido soluções técnicas e corporativas escandalosas há alguns anos e que agora estão sendo colocadas em prática.
Em Haia, o Fórum Mundial da Água de 2003 se propôs incentivar a criação de sementes transgênicas para “poupar água”, sob o diagnóstico de que a agricultura é a atividade que consome mais água em todo o mundo. Na época, os ativistas da água reclamaram que esta solução podia se constituir em um crime que poderia afetar a saúde de todo o mundo e lançaram campanhas para evitar as sementes transgênicas e incluir o princípio de precaução nestas tecnologias. Hoje, as sementes transgênicas são parte do comércio mundial de alimentos e suas tecnologias e insumos. Nesta semana a Argentina apresentou ao mundo com orgulho o patenteamento de uma nova semente transgênica capaz de “poupar” água na produção de trigo, milho e soja em nível mundial.
As coisas vão mal porque deixaram as decisões mais importantes sobre a vida e sobre o planeta nas mãos das corporações e de governos poderosos e desenvolvimentistas que, baseados no princípio de que tudo se compra, se paga, se vende ou se repara pagando, levaram até os limites a impossibilidade de construir uma sociedade solidária, protetora do meio ambiente e, sobretudo, respeitosa de um bem sagrado para a vida como é a água.
O Fórum Mundial da Água se negou sistematicamente a apoiar em suas declarações o Direito Humano à Água e ao Saneamento. No Fórum Mundial da Água do México, em 2006, foram apenas quatro os países que assinaram uma declaração minoritária exigindo o direito humano à água, entre eles Uruguai e Bolívia. No entanto, nas Nações Unidas, há dois anos não houve nem um só voto contra a Resolução 64/292 declarando o Direito Humano à Água e ao Saneamento. Os países que se opunham a ela só puderam se abster de votar, mas não explicitar sua negativa a um evidente consenso gerado pelos povos e pelos países que sabem que esse é um direito inalienável para a humanidade.
Como é possível que, sistematicamente, o FMA se negue a reconhecer esse direito e que, na ONU, ele tenha sido aprovado sem oposição há dois anos?
Sendo que são os mesmos países que fazem parte das declarações ministeriais, por um lado, e das resoluções e conferências, por outro. Por que é que agora que ocorreu esse passo tão importante na ONU, o FMA não avança, mas, ao contrário, busca retroceder e diminuir as possibilidades de implementação do direito humano à água, favorecendo os processos de privatização? Mais do que isso, agora o FMA está decididamente disposto a incluir a água em “todas as suas dimensões econômicas, sociais e ambientais em um marco de governança, financiamento e cooperação”...como afirma sua declaração emitida ontem, apesar do protesto de alguns países.
Enquanto isso, milhares, senão milhões de experiências e iniciativas de gestão social e solidária, experiências exitosas de gestão pública, são implementadas com base no conceito de que água é um bem comum, um bem não mercantil para a vida.
As políticas e visões promovidas pelo Fórum Mundial da Água não estão à
altura dos desafios colocados diante do planeta e da humanidade. Pelo contrário, estão condenando a gestão da água a seu manejo pelos poderes corporativos incapazes de priorizar a vida, preocupados mais em extrair lucros de qualquer parte, por sistemas financeiros, especulativos e sistemas de litígios corporativos cobiçados nas instituições financeiras internacionais.
Considerando o extremo esgotamento dos recursos e o desequilíbrio ecológico produzido no planeta é indispensável que a governabilidade da água fique fora das mãos do Conselho Mundial da Água e seja construída a partir de consensos dos cidadãos, dos povos e do interesse público. É por isso que os movimentos sociais reunidos em Marselha estão propondo que a ONU convoque um Fórum Global da Água que possibilite escutar as vozes das pessoas para pensar a água como um bem para a vida. As organizações sociais estão pedindo que sejam reforçados os sistemas locais e que se contribua para um exercício de vigilância social para assegurar que seu manejo seja social, democrático e solidário.
Diz-se, não sem razão que “milhares viveram sem amor, mas ninguém viveu sem água” (Auden). Nós acrescentamos, a partir deste Fórum, “sem amor, empatia e solidariedade, será impossível assegurar que a água chegue limpa e pura para todos”.

(*) Elizabeth Peredo é psicóloga social, escritora e ativista pela água, cultura e contra o racismo. Escrito para o Fórum Alternativo Mundial da Água, Marselha, 2012.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


Mudar a cultura para transformar a educação

Certos componentes culturais constituem-se nas principais barreiras para o avanço da educação no Brasil. Observa-se isso na medida em que se analisa o fracasso educacional no contexto da ausência de consciência cidadã e do espírito de coletividade que permeia amplos setores da sociedade nacional.
O autoritarismo, marca histórica da sociedade brasileira, ao instituir o comodismo social diante de questões de interesses comuns, reforça uma concepção de Estado separada dos anseios populares, sendo no máximo assistencialista. Essa distância do Estado associado a um processo massivo de alienação midiática concebe indivíduos que desconhecem a cultura de participação, princípio elementar para uma cidadania plena. E só esta pode conferir conteúdo social a uma democracia que só existe no plano formal. É sob esse angulo que se deve constatar o fracasso de políticas de descentralização das funções referentes à educação levadas a cabo pela União, como a municipalização do ensino. Esta é emperrada não apenas pela restrição de verbas, mas principalmente pela ausência da comunidade- fiscalizando, criticando, propondo alternativas- nos processos de gestão local.
Outro componente cultural que deturpa as relações sociais e reflete em todas as suas dimensões é o espírito individualista. Desde as noções mercantilistas ate o atual pensamento neoliberal, a sociedade nacional tem sido forjada sob os auspícios da vantagem pessoal e do lucro individual. Tem sido dominante a exaltação da propriedade privada, e por conseqüência, do privilegio e do mercado em detrimento do Estado e dos interesses coletivos, pois como afirma Pablo Gentili,o mercado é o espaço do não-direito. A educação não foge a regra. Eleva-se a instituição privada- porque poucos grupos precisam lucrar convertendo um direito essencial em serviço suscetível a venda, ao mesmo tempo em que se esquece a escola publica, reduto de baixa qualidade.
Dessa forma, o autoritarismo político aliado a própria natureza do modelo sócio-econômico vigente, impuseram uma cultura estigmatizada pela inexistência de cidadania e de vontades coletivas,  configurando-se em sérios obstáculos para o deslanchar da educação. Mesmo quando os processos podem ser guiados de baixo para cima, as transformações não acontecem, revelando que não adianta ter uma legislação progressista se não existe vontade de mudar.
  
André Pires Maciel