Por Nathalie Beghin
Os BRICS – acrônimo que diz respeito ao agrupamento
de cinco países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – representam uma
incógnita. Por um lado, expressam a insatisfação de economias que vêm ganhando
destaque no cenário internacional com a atual conformação da governança global.
São atores relevantes no tabuleiro político internacional cujas vozes nem
sempre são escutadas a contento por aqueles que ocupam os espaços de poder
mundial, especialmente Estados Unidos, União Europeia e Japão, e desse ponto de
vista têm sido uma articulação geopolítica relevante no cenário mundial.
Analistas preveem que em 2015 os BRICS serão responsáveis por cerca de um
quarto do PIB mundial e poderão vir a ser as potências globais de 2050.
Mas, por outro lado, o expressivo crescimento
desses países não tem se revertido em melhorias das condições de vida de seus
povos à imagem e semelhança da pujança econômica. Pior: com exceção do Brasil,
as desigualdades sociais aumentaram significativamente no bloco. Ou seja, a
riqueza gerada não está sendo distribuída com justiça social, ao contrário, são
poucos o que dela se beneficiam.
Ainda que a pobreza tenha diminuído em praticamente
todos os casos, especialmente na China, os demais indicadores sociais
ostentados por esses países deixam muito a desejar: a informalidade no mercado
de trabalho atinge mais de 40% da população economicamente ativa de Brasil,
Índia e África do Sul. Com isso, milhões de trabalhadores não têm acesso aos
direitos básicos atrelados ao trabalho como seguro desemprego, aposentadoria e
pensão, licenças maternidade e paternidade, entre outros, estando longe do
conceito de trabalho decente consolidado pela Organização Internacional do
Trabalho – OIT. São milhões de homens e mulheres largados a sua própria sorte,
dependendo da assistência privada, da ajuda mútua ou de programas pontuais
eventualmente implementados pelos seus governos.
A baixa cobertura de sistemas de proteção social se
reflete nos elevados índices de mortalidade infantil, pouco compatíveis com o
tamanho das economias desses países. No Brasil e na China esses índices estão
em torno de 20 mortes por mil crianças nascidas vivas, mais de seis vezes os
valores apresentados por países como Japão, Suécia e Noruega – menos de 3 por
mil. Na Índia e na África do Sul a mortalidade infantil atinge patamares
assustadores, de mais de 60 por mil. Ainda que a Rússia se encontre em melhor
posição, os indicadores de mortalidade infantil são superiores a 10 por mil.
Por outro lado, a esperança de vida ao nascer na Rússia é da ordem de 68 anos,
não muito distante do verificado para a Índia, de cerca de 65 anos. Nos países
nórdicos, esses valores são superiores a oitenta anos. A esperança de vida ao
nascer é uma excelente medição do acesso (ou não) das populações a direitos
básicos como alimentação, saúde, saneamento, habitação e educação, entre
outros. No Brasil e na China, onde as políticas públicas são um pouco mais
estruturadas, a esperança de vida passa dos 73 anos. Na África do Sul, com
enorme dívida social, vive-se, em média, pouco mais de 50 anos.
Os níveis educacionais não apresentam perfil muito
diferente: em nenhum dos cinco países os adultos apresentam pelo menos 10 anos
de estudo em média. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse indicador é superior
a 13 anos. Na Rússia o indicador é de cerca de 9, no Brasil e na China gira em
torno de 7 e na Índia, os adultos têm, em média, apenas 4 anos de estudo.
Diante desse quadro, a pergunta que não quer calar
é: BRICS para quem? Quem se beneficia dessa extraordinária riqueza que vem
sendo gerada nos últimos anos?
Certamente que a absoluta maioria dos povos dos
BRICS não. Se bem é verdade que os indicadores sociais vêm melhorando, o ritmo
é mais o reflexo da inércia do que resultado de vultosos investimentos
destinados a redistribuir os ganhos obtidos por um crescimento que impressiona
a todos. O modelo de desenvolvimento adotado por esses países até o momento reproduz
desigualdade. Mesmo no Brasil, onde a situação melhorou como resultado de
políticas públicas redistributivas implementadas nos últimos anos, o país
continua pertencendo ao vergonhoso clube das sociedades mais desiguais do
mundo.
Daí a urgência das organizações e movimentos
sociais desses diferentes países pressionarem seus governos, individualmente, e
o bloco como um todo, para que adotem medidas de efetiva inclusão social e
universalização dos direitos humanos. Entendemos que o desenho e a implementação
de políticas públicas dessa natureza, tanto nacionalmente como
internacionalmente, devem levar em conta as demandas da sociedade por meio de
mecanismos de participação social institucionalizados. Nesses espaços, a
relação público/privado se estabelece, materializando princípios da democracia
representativa e participativa e, consequentemente, assegurando a predominância
do interesse público.
O Brasil que, desse ponto de vista se destaca no
cenário internacional, poderia ser portador dessa mensagem atuando,
simultaneamente, em duas frentes: internamente, criando o Conselho Nacional da
Política Externa Brasileira, locus do debate com a sociedade sobre sua
inserção nos BRICS, entre outros assuntos atrelados à política externa
nacional; e, internacionalmente, levando ao bloco a proposta de criação de
espaço institucional de participação social envolvendo organizações e
movimentos sociais dos cinco países. Essa proposta é factível, uma vez que os
BRICS já criaram o Fórum Empresarial e o Fórum Acadêmico. Se os empresários e
os acadêmicos têm voz, não há nada que justifique não estender essa
prerrogativa aquelas e aqueles que lutam há décadas por um mundo mais justo e
inclusivo, economicamente, socialmente e ambientalmente. Talvez assim os BRICS
consigam ser os “BRICS dos povos”, os “BRICS dos 99%”.
*Nathalie Beghin é integrante do Instituto de
Estudos Socioeconomicos (INESC), da Rede Brasileira pela Integração dos Povos
(REBRIP) e do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais
(GRRI)
Fonte:
cartacapital.com.br