Por Bruno Pavan e Rafael Tatemoto
O mês de abril tem sido marcado por intensas
mobilizações no país este ano. A possibilidade de retirada de direitos
históricos fez com que sindicalistas, partidos políticos de esquerda e
organizações populares iniciassem um processo de lutas unitárias. Por conta
dessas atividades, passou-se a utilizar a expressão Abril Vermelho.
Até esta terça-feira (17), pelo menos 15 fazendas
foram ocupadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no país.
Com objetivo de chamar atenção para a pauta da reforma agrária, cinco fazendas
foram ocupadas em Pernambuco, oito na Bahia e duas em São Paulo, nas regiões de
Ribeirão Preto e Promissão. E o movimento promete novas ações durante todo o
mês.
O termo Abril Vermelho foi herdado das mobilizações
que o MST faz historicamente neste mês. Em 17 de abril de 1996, 21 militantes
da organização foram mortos por agentes do Estado. O episódio ficou conhecido
como Massacre de Eldorado dos Carajás. Como lembrança do episódio e da vida dos
que morreram na luta, o movimento passou a intensificar suas atividades a cada
abril.
O Brasil de
Fato entrevistou João Paulo Rodrigues, da Coordenação Nacional do MST,
para lembrar o caso de Eldorado, falar sobre a situação da reforma agrária no
país, bem como sobre atual momento político vivido pelo Brasil.
Brasil de Fato – Como o
MST avalia as jornadas de luta neste mês? Quais resultados espera?
Há uma expectativa muito grande de que nós
possamos, primeiro, fazer uma denúncia contra a paralisia da reforma agrária em
todo o país e a ofensiva do agronegócio nas terras indígenas, nas áreas de
preservação ambiental, como na Amazônia, e no uso demasiado de agrotóxicos.
Além disso, o aumento da criminalidade, que ainda está muito relacionado ao
latifúndio improdutivo, como foi no caso do massacre de Eldorado dos Carajás e
que continua atacando os sem-terra. Queremos fazer esse diálogo de denúncia com
a sociedade.
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O segundo grande objetivo é aproveitar esta semana
e a próxima para cobrar o governo o assentamento imediato de todas as famílias
que estão acampadas, que hoje são 130 mil. Reivindicamos do governo outros dois
grandes temas: a construção de um PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]
para a reforma agrária, para resolver os problemas de infraestrutura, estradas,
energia elétrica, garantir abastecimento de água e saúde nos assentamentos e
uma segunda questão é a melhoria da política de crédito, que possa valorizar a
produção de alimentos saudáveis da agroecologia, crédito que seja voltado para
a juventude e para as mulheres, bem como uma política de agroindústria.
Por fim, achamos que é um momento oportuno para
dialogar com a sociedade brasileira sobre uma nova política agrária, que
produza alimentos, mas que também possa garantir que a juventude fique no
campo, democratizando terras e criando uma melhoria nas condições de vida da
população.
BdF - Você citou Carajás.
O massacre completa 19 anos esta semana. O que mudou de 1996 até hoje?
O massacre foi uma tragédia para os camponeses
brasileiros. Foi uma decisão do Estado brasileiro massacrar aqueles
trabalhadores rurais. Com a repercussão do fato, nós conseguimos várias
conquistas: pautar a reforma agrária na sociedade, apontar para o fato de que
na Amazônia existe um problema concreto de luta pela terra e denunciar a
violência no campo. O ponto negativo foi que a reforma agrária não foi feita
quase 20 anos depois daquele massacre. Isso nos preocupa. Ainda tem fazendas
improdutivas com jagunços com acampamentos próximos, militantes do MST sendo
perseguidos, são temas que nesta semana nós queremos refletir e discutir com a
sociedade.
BdF – O MST se somou às
manifestações contra o Projeto de Lei 4330, que libera as terceirizações. Como
esse projeto pode afetar os trabalhadores do campo?
Hoje, entre os trabalhadores como um todo, quem é
mais prejudicado e tem as piores condições de serviço são justamente os
trabalhadores rurais. Nós temos o exemplo da cana-de-açúcar, um trabalho com
condições análogas à escravidão. Nós temos também os trabalhadores que lidam
com agrotóxicos e são envenenados diariamente. O campo tem quase 3 milhões de
assalariados, mas apenas 1,2 milhão têm carteira assinada. Já são precarizados
por natureza. Com essa proposta, há a chance de perdemos ainda mais. Além de
serem os trabalhadores com as piores condições de vida, [isso] passaria a ser
legal, até esse momento nós ainda podemos denunciar como trabalho precário ou
escravo.
Diante disso, nós, trabalhadores do campo, dos
movimentos sociais, do movimento sindical, estamos muito preocupados com a
possibilidade de aprovação desse projeto de lei, que não trará dignidade para
um setor tão importante para a geração de riquezas no país, que são os
trabalhadores rurais.
BdF – Como o movimento vê
as nomeações do governo Dilma, com, de um lado, Kátia Abreu na Agricultura e,
de outro, Patrus Ananias no Desenvolvimento Agrário e Mária Lúcia Falcón no
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)?
O MST está preocupado com a situação. Estamos
chegando a 100 dias do segundo mandato, e até agora só tivemos boas conversas,
não houve nenhuma decisão oficial do governo de quantas famílias serão
assentadas, qual será o volume de crédito agrícola. O MST não compactua com o
que o governo tem feito até agora.
É importante o governo escolher bem a equipe ministerial,
mas é responsabilidade da presidenta Dilma. Não queremos assumir que o problema
é “porque o ministro é ruim ou o presidente do Incra é bom”. Achamos que é um
problema de rumos de governo. Pode colocar qualquer um para conversar com a
gente, desde que existam mecanismos e dinheiro para fazer política agrícola.
Ainda assim, foi um desserviço para a esquerda brasileira e os setores
progressistas a presidenta Dilma ter feito uma aliança com os setores mais
conservadores na política, a Kátia Abreu na Agricultura e o Joaquim Levy
conduzindo a política econômica.
Os resultados das eleições de outubro foram fruto
dos setores progressistas. Essa aliança não se justifica nem pela correlação de
forças, nem pelo cenário econômico. A presidenta erra, criando muitos problemas
com a base que ajudou na sua reeleição. O MST vai continuar fazendo luta e
denunciado os atos dessas pessoas que estão infiltradas em um governo que foi
vitorioso com outra bandeira.
A escolha do Patrus e da Falcón foi importante, mas
se eles não tiverem recursos e infraestrutura disponíveis para fazer a reforma
agrária, eles serão desgastados. O MST não apoiará só porque são bons
companheiros. O MST apoiará política, e não pessoas. A presidenta Dilma tem que
dizer a que veio seu segundo mandato em relação à reforma agrária.
BdF – Foi anunciado o
lançamento de um Plano Nacional de Reforma Agrária. Qual a posição do
movimento?
Construir planos é bom, mas nós temos um problema
real que já tem dez anos: são 130 mil famílias acampadas. Toda e qualquer
conversa no próximo período passa pela resolução dessa questão emergencial. A
reforma agrária é uma feijoada, precisa de tempero, um conjunto de
ingredientes, mas se não houver o feijão, que é a terra, não passa de uma boa
ideia. Se não resolver o problema das famílias acampadas, dificilmente os
demais pontos irão resolver a demanda exigida pelo movimento. A condição para
haver um diálogo bom e para que a gente possa avançar é um programa massivo de
assentamento para as famílias acampadas.
Fonte: brasildefato.com.br. Acessado em 17/04/2015
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